Olá Invocadores, sejam bem vindos a mais um artigo na coluna Hexcriba, com o título Especulação Narrativa, vamos falar sobre alguns fatos que permeiam a comunidade de criadores de conteúdo e também o Runarcana.
Fanfic
Todo trabalho fã-ficcional é pautado em um material original cujo criador é a autoridade máxima em definição dos fatos, motivos e desdobramentos de qualquer decisão. Isso é uma regra clara, embora muitos fãs percam a noção disso ao encontrarem identificação com uma obra, ao criar um vínculo sentimental passam a ter uma crença de que algo ali lhes pertence além da experiência que tiveram.
Ora, se você tem uma compreensão de algo baseado em uma obra, ela é sua, mas isso não faz dela algo universal ou totalmente correto. Outras compreensões podem muito bem ter a mesma validade, afinal, cada experiência é fruto de um indivíduo.
As palavras e decisões do autor ou detentor dos direitos da obra são as palavras “finais”, as decisões tomadas são as consideradas oficiais e todo esse conjunto de fatos, informações, interpretações e decisões (feitas pelo autor) são chamadas de “canônicas”.
Logo, qualquer conteúdo derivativo disso, especialmente o feito por fãs, se torna uma fanfic. Uma fanfic não é únicamente uma história escrita por fãs, produtos licenciados que explorem um universo principal, criando um universo alternativo onde decisões que não são do autor existam, pode ser considerado fanfic até que o autor as “aprove” como conteúdo canônico.
Como alguns de vocês devem imaginar, o Runarcana é considerado sim uma “fanfic” em termos mais simplistas, pois utiliza a Propriedade Intelectual da Riot Games conhecida como League of Legends (e suas extensões) para a criação de um material a ser usado por fãs e que não é canônico.
Destacamos desde o primeiro dia de lançamento do Runarcana que o mesmo não é feito e sequer tem endosso da Riot Games, é apenas um material feito por fãs com o objetivo de adaptar o mundo apresentado de forma a poder ser utilizado em jogos de RPG de mesa (TTRPG).
Com essas informações, fica claro que o conteúdo do Runarcana é fã-ficcional e, como tal, não é a palavra definitiva e oficial quanto a nada. Mas o mesmo vale para todas as aventuras que acontecem por aí utilizando esse sistema, nenhuma delas influencia ou influenciará a continuidade da propriedade intelectual (P.I.) da Riot Games.
Valoração
Isso torna elas menos importantes ou inferiores? De forma alguma, toda as pessoas que jogam jogos eletrônicos estão acostumadas com uma realidade de decisões limitadas que levam a certos desfechos, com muitos jogos tendo diversos finais. Ainda assim, quando continuações são lançadas, normalmente apenas um desses finais é levado em consideração e se torna base da continuidade.
Logo, todos que jogam estão acostumados que aquele momento de lazer não influenciará o andamento da obra como um todo, não decidirá o “cânone” daquele universo. Uma mesa de RPG apenas reproduz isso, com uma versão alternativa e particular daquele universo sendo desenvolvido pelo mestre e pelos jogadores.
Esses conceitos são necessários para se entender o assunto mais importante desse artigo, a Especulação Narrativa, pois ela se fundamenta justamente em encontrar lacunas de informação não preenchida pelo autor original, ou as vezes em explorar possibilidades claramente divergentes.
Boa parte dos criadores de conteúdo relacionados à lore/ história do League of Legends estão acostumados a desenvolver a Especulação Narrativa, normalmente através de teorias (sejam elas com fundamento ou sacadas da cartola) que procuram apresentar possibilidades futuras ou mesmo preencher os espaços já criados e não completamente desenvolvidos.
Aqui cabe uma opinião pessoal, como um apaixonado por obras de ficção, em especial o universo de Runeterra, vejo que a maior responsabilidade dos criadores de conteúdo, que versam nesse assunto, é o compromisso com a verdade. Apresentar teorias junto a conteúdo canônico é totalmente válido, desde que sejam traçadas as linhas e elas sejam bem delimitadas, deixando sem sombras de dúvida o que é canônico e o que especulativo/teórico.
O Runarcana parte de um pressuposto temporal, no qual toda lore revelada oficialmente até aquele momento é levada em consideração para que a adaptação seja o mais fidedigna possível, no entanto isso tem certos limites, em especial quanto às lacunas anteriormente citadas.
Ao depararmos com situações não cobertas pelo cânone, acabamos por utilizar elementos do próprio cânone para preencher essas lacunas, em outros momentos onde não existem elementos, criamos os mesmos de maneira consciente e responsável, pois o mesmo pode ser facilmente descartado com o surgimento de uma informação oficial que os desestruture.
Sistema Oficial
Citando alguns dos exemplos que foram totalmente criados pelo Runarcana e que não tem amparo na lore, cito a divisão de classes que adaptamos (usando o D&D 5ª edição como base), embora os Bodhisatvas e até a própria classe dos Peregrinos sejam criação totalmente nossa, pautada em lore para facilitar o acesso a determinadas “fantasias de jogo”, eles não são conteúdos oficiais. Em momento algum (até a data desse artigo) você encontrará essas palavras com esses significados dentro do cânone do League of Legends.
Quando olhamos para Lee Sin e outros personagens de Ionia, vemos diversas similaridades entre eles por serem da mesma região, mas também vemos diversas diferenças, pautados nesses aspectos de similaridade ou não é que começamos a criar a adaptação daquilo para o RPG.
Nosso caminho é o único correto? De forma alguma, até mesmo em materiais oficiais é possível criar conteúdo derivado que se adeque melhor ao gosto dos que mestram e jogam. Mas ainda assim, é o único correto dentro do que apresentamos como um “corpo completo” de material na forma do livro básico do Runarcana.
Isso se dá principalmente por criarmos cada parte desse conteúdo levando em conta uma série de fatores que são guiados principalmente pela lore/ história canônica do League of Legends, é um compromisso que assumimos com o lançamento do sistema e que nos guia em cada nova criação.
Quando falamos de “Sistema Oficial” não estamos falando de algo oficial do ponto de vista da Riot Games, mas sim algo oficial dentro do Projeto do Runarcana que é mantido pelo Runarcana.org.
Dessa forma, estamos cientes de nosso desconhecimento de muitas mecânicas narrativas da Riot, também cientes de que não conhecemos o material não lançado e que pode invalidar parte de nossa criação nessa busca por algo fidedigno à lore.
Especulando com responsabilidade
Quando tomamos a magia por exemplo, as regras oficiais dentro do universo de Runeterra são desconhecidas por nós, ao lermos o material apresentado coletamos as informações expressas e procuramos com isso criar algo que se assemelhe ao que foi apresentado, mas possa ser reproduzido numa escala diferente que é a mesa de RPG.
A maior parte do conteúdo do Runarcana é especulativo, não existe uma validação de que as coisas que criamos sejam oficiais de acordo com o cânone e que sejam exatamente como a Riot pensa e como o League of Legends, enquanto história, será desenvolvido.
Nossa responsabilidade aqui está em criar, adaptar e até excluir o que não se conecte a essa realidade maior. Com isso, para a versão 1.21 tivemos que mudar todos os textos sobre os Minotauros refletindo a mudança que os mesmos tiveram com as revelações, sejam elas do Legends of Runeterra, do League of Legends ou apenas da lore de Alistar.
Cada conteúdo criado é pensado no corpo geral do que já existe e do que foi revelado. Se esse conteúdo entra em conflito com o cânone, é modificado, adaptado ou descartado.
Ryze
Um exemplo disso é Ryze e sua magia. O que sabemos objetivamente e de forma canônica?
Sabemos que ele era um aprendiz de magia que teve contato com as Runas Globais, viu a desgraça causada quando elas cairam em mãos erradas e tomou para si a responsabilidade de guardá-las.
Sabemos também que, seu corpo foi modificado pela magia (sem a certeza de que tenha sido pelo contato com as Runas Globais, embora isso seja uma inferência válida) e que suas magias são rajadas de energia mágica, teleporte e alguns outros feitos derivados dessas rajadas mágicas.
Em momento algum da história nos é dito se ele é dependente de um grimório, se ele é capaz de criar elementos, enfeitiçar pessoas ou outras muitas magias disponíveis no Runarcana. Partimos do pressuposto que sim, utilizando como base para isso o sistema de magia do D&D 5ª edição e o adaptamos para algo tematicamente mais próximo do que a magia nos foi apresentada até então.
Ao tomarmos o Ryze como uma base, precisamos olhar para outros campeões que também são considerados “magos” para encontrar similaridades e diferenças. Com isso, conseguimos separar de maneira prática e objetiva, as informações necessárias para a parametrização da magia dentro do RPG, através de níveis, duração, etc.
Tomando Annie por exemplo, ela tem magias mais ligadas ao fogo, a invocação ou transmutação de seu ursinho Tibbers além de formas derivadas desse controle e criação de chamas. Se fossemos criar uma classe diferente para cada tipo de magia apresentada, o Runarcana teria que ter praticamente uma classe para cada campeão.
Conectando e Simplificando
Dessa forma, temos a magia como um “tema” central e comum entre Annie e Ryze, mas ainda assim isso não é suficiente para termos uma base de regras, afinal, existem mais sistema de magias pelos RPGs do que eu conseguiria citar aqui, passando por fórmulas prontas como as de D&D, aplicações mais versáteis como Mago: A Ascensão ou mesmo o sistema de Arkanum que é (de maneira simplista) derivado de Ars Magica.
Escolhendo o sistema de magia geral de D&D da 5ª edição, passamos então a aproximar os campeões/personagens desse sistema e não o contrário, perdendo um pouco da caracterização visual mas em um nível totalmente aceitável e compreensível, afinal, o “mapa” onde o combate acontece é completamente diferente.
Nesse trajeto acabamos por simplificar coisas dos dois lados, seja da parte de tema e história (lore) seja da parte de regras e sistemas, pois enquanto Annie e Ryze dentro do League of Legends são campeões com um nível similar de poder, dentro da história Ryze tem séculos de existência, experiência e poder, enquanto Annie é apenas uma garotinha de menos de 10 anos de idade.
Como vocês devem imaginar, essa diferença imensa se retrata no Runarcana por níveis de personagem diferentes, enquanto Annie deva estar provavelmente por volta do nível 9 (em uma liberdade de escalar seu poder mesmo com pouca experiência) por estar “sozinha no mundo” e conseguindo sobreviver, Ryze passa do nível 20 alcançando os níveis épicos, talvez por volta do 22 ou até 25, afinal, ele combate de certa forma os Observadores Gélidos, criaturas que até mesmo semi-deuses tiveram dificuldade (ou encontraram a derrota).
É obvio que se formos analisar os dois casos separadamente de forma fria, talvez esses números não se sustentassem, afinal, como uma menina com menos de 10 anos de idade já teria um nível 9, enquanto aventureiros iniciantes com idades bem mais avançadas começam no nível 1?
Simplificar é a palavra de ordem. Não sabemos por quais aventuras Annie passou, não sabemos a real origem de seus poderes e se os mesmos não dão a ela um nível 9 “natural”. Já do lado de Ryze, não sabemos sequer se sua magia é extremamente versátil ou totalmente focada em algo.
Para conectar e simplificar esses personagens de temas similares, acabamos por especular com a narrativa e fazer adaptações que se pautam na lore, mas a extrapolam em uma realidade controlada diferente.
Conclusão
Assim como todo o Runarcana é pautado em história canônica, mas extrapolado com a especulação narrativa e a simplificação para a conexão, o mesmo se dá às aventuras que vocês irão mestrar ou jogar. Nem tudo que for criado pela Riot precisa ser usado em sua mesa, ainda, nem tudo precisa ser seguido totalmente à risca em uma sessão de RPG.
Assim como adaptamos o sistema a cada novidade, o mestre pode muito bem decidir fazer o mesmo, mas se ele desejar, pode manter a realidade “paralisada” de um determinado momento da história e das regras, assim como soluções e histórias encontradas dentro de uma mesa de jogo possam ir totalmente contra fatos canônicos.
O purismo pela lore é só mais um recurso como todos outros apresentados a vocês no Runarcana, usá-lo ou não é uma decisão que cada mestre terá e nisso reside talvez a maior beleza de uma mesa de RPG, histórias que não se repetem, que podem explorar criações já conhecidas ou partir para territórios completamente desconhecidos.
Lembrem que conhecemos apenas ⅙ do mundo de Runeterra e que, embora seja extremamente improvável que nesse outro ⅚ se encontrem Elfos, Anões, Orcs e Goblins de forma canônica, isso não é um impedimento para que eles existam em sua mesa de jogo, tenham sua importância talvez até maior do que esse ⅙ que conhecemos.
Espero que tenham gostado desses pensamentos e reflexões, nos vemos na semana que vem!
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